Atrás apenas das guerras mundiais do Século 20, a Guerra dos Trinta Anos (Dreißigjähriger Krieg) foi o mais destrutivo dos muitos conflitos que aconteceram em terras alemãs.
Apesar do nome, esta não foi uma única guerra, mas uma série de conflitos, que envolveram inclusive potências estrangeiras.
Sumário
- Conflitos depois da Reforma
- Uma guerra européia
- Despopulação e destruição
- A Europa no final da guerra
- Importância do século para a genealogia
- Fontes
Conflitos depois da Reforma
Como visto na postagem sobre a Reforma, em 1555, havia sido firmado um tratado entre os senhores feudais luteranos e o Imperador católico, a Paz de Augsburgo. Mesmo com este acordo, nos anos seguintes, voltaram a ocorrer conflitos entre católicos e luteranos,
Um evento ocorrido em 1618 na Boêmia (a Defenestração de Praga) acabou servindo de estopim para um conflito localizado entre católicos e luteranos, que mais tarde evoluiu para a Guerra de Trinta Anos.
O Édito da Restituição
Para complicar ainda mais a já tensa situação entre luteranos e católicos, em 1629, Fernando II, o então Imperador do Sacro Império Romano, promulgou o Édito da Restituição (Restitutionsedikt).
Este Édito foi uma tentativa do Imperador de fazer valer uma regra estabelecida na Paz de Augsburgo de 1555 (vide postagem sobre a Reforma). Esta regra havia proibido a secularização das terras católicas. Significa que, depois de 1555, nenhuma terra católica deveria ser passada ao controle de nobres protestantes.
Entretanto, a falta de controle pelo Império levou vários príncipes a secularizarem terras. O Édito da Restituição foi uma tentativa de reverter secularizações que haviam sido feitas à revelia da regra. Afetou os arcebispados secularizados de Bremen e Magdeburgo, doze bispados e mais de 100 casas religiosas. O Édito resultou em uma grande transferência de poder e propriedades dos nobres protestantes para o clero católico. Como conseqüência, milhares de protestantes fugiram para outros estados controlados por protestantes.
O mapa a seguir mostra a situação do Sacro Império Romano durante a Guerra dos Trinta Anos. As localidades que já eram luteranas ou calvinistas em 1555, quando a Paz de Augsburgo, encontram-se sublinhadas em vermelho. Estas não foram afetadas pelo Édito e continuavam como protestantes.
Já as localidades cujo nome está sublinhado em azul, são aquelas afetadas pelo Édito da Restituição. Estas localidades deveriam passar de luteranas ou calvinistas para católicas.
Tradução da legenda do mapa
– Cidades imperiais e seus territórios
– Territórios eclesiásticosAbreviaturas (tipo de estado):
Ab – Abbey (Abtei) abadia; Abp – Archbishopric (Erzbischof) arcebispado; Bp – Bishopric (Bischof) bispado; C – County (Grafschaft) condado; D – Duchy (Herzogtum) ducado; El – Electorate (Kurfürstentum) domínio de um príncipe eleitor; K – Kingdom (Königreich) reino; Lg – Landgraviate (Landgrafschaft) domínio de um landegrave; Mg – Margraviate (Markgrafschaft) marquêsado; Pal – Palatianate (Pfalzgrafschaft) domínio de um conde palatino; Pr – Principality (Fürstentum) principiadoCampos de batalha estão marcados com uma pequena seta vertical junto com a data da batalha
Territórios que eram protestantes (luteranos ou calvinistas) antes da Paz de Augsburg de 1555 estão sublinhados em vermelho. Aqueles para os quais foi aplicado o Édito da Restituição estão sublinhados em vermelho.
Uma guerra européia
Com o passar do tempo, o conflito escalou de uma guerra civil entre católicos ligados ao Imperador e nobres luteranos para uma guerra européia. Outras potências, como França, Dinamarca e Suécia, entraram na guerra, que deixou de ser religiosa, para virar um conflito de poder entre vários países da Europa.
A história desta guerra é extensa e complexa e não cabe em um artigo curto como este. Aqui, vou me limitar a mostrar os reflexos da Guerra sobre o mapa do Sacro Império Romano, bem como comentar a importância da mesma na pesquisa genealógica.
Despopulação e destruição
Os combates aconteceram em sua maioria dentro do território do Sacro Império Romano.
Naquela época, praticamente não se empregavam exércitos profissionais. Os soldados não eram financiados pelos estados que os comandavam, e sim pela pilhagem das populações nos locais por onde passavam. Os agricultores das regiões afetadas perdiam sua produção e seus animais. Pior ainda era o destino da população do inimigo, que além de ser dizimada em grande escala, perdia suas habitações e tinha seus campos destruídos.
Uma guerra por um período tão longo acabava gerando também bandos de saqueadores, que se aproveitavam da autoridade fragilizada de muitos territórios, para pilhar e saquear, complicando ainda mais a situação das populações.
Há vários relatos de vilas inteiras que ficaram desabitadas por algumas décadas depois do final da guerra.
Não há números confiáveis sobre a mortalidade resultante da guerra, mas estima-se que algumas regiões chegaram a perder dois terços de sua população. O mapa abaixo mostra uma estimativa de como a mortalidade causada pela guerra entre 1618 e 1648 atingiu diferentes regiões do Império.
As áreas estão marcadas de acordo com a despopulação estimada: tom escuro, maior que 66%, tom intermediário, entre 33% e 66% e tom claro, menor que 33%.
Observação: Este mapa vem da Wikipedia e não tive acesso à publicação original da qual ele foi copiado. Com isso não posso avaliar a qualidade da fonte. Mesmo assim, achei interessante publicá-lo, pois mostra as áreas que, segundo várias fontes, foram as mais afetadas.
A Europa no final da guerra
A Guerra dos Trinta Anos terminou em 1648, com a assinatura de tratados conhecidos como Paz de Vestfália (Westfälischer Friede).
Abaixo encontram-se dois mapas, o primeiro da Europa Central e o segundo específico do Sacro Império Romano. Eles mostram a situação das fronteiras depois do final da Guerra dos Trinta Anos.
A Europa Central em 1648
O Sacro Império Romano em 1648
Tradução da legenda do mapa:
Territórios da Casa de Habsburgo
– Linha Espanhola
– Linha Austríaca
Territórios da Casa de Hohenzollern
– Linha de Brandemburgo
– Linha da Francônia
Territórios da Casa de Wettin
– Linha Albertina
– Linha Ernestina
Territórios da Casa de Wittelsbach
– Linha da Baviera
– Linha do Palatinado
Territórios da Casa de Oldemburgo
– Dinamarca (somente fronteira colorida) – Schleswig-Holstein (todo território colorido)
– Oldemburgo– Área eclesiástica
– Cidades imperiais– – – – Fronteiras do Sacro Império Romano
Abreviaturas (indicam que a qual outro estado pertence a área):
A.Z – Anhalt-Zerbst, Br – Brixen, Fr – Freising, H.K – Hessen-Kassel, K – Köln, M – Magdeburg, Mz – Mainz, N – Nassau, S – Salzburg, Si – Sickingen, T – TrierO colorido de cada território representa a situação de 1648.
Mudanças territoriais no Século 17 são indicadas por territórios em que apenas a fronteira é colorida.Localidades em que ocorreram importantes batalhas ou tratados estão marcadas por um círculo preto.
Por consequência da Paz de Vestfália, as principais mudanças nas fronteiras do Sacro Império Romano foram as que seguem:
- A República dos Países Baixos (Vereinigte Niederlande) e a Confederação Helvética (Lande der Eidgenossen), que já eram de fato independentes, deixaram formalmente de fazer parte do Império.
- A parte Ocidental da Pomerânia (Vorpommern) bem como algumas áreas ao redor das cidades de Bremen, Verden e Wismar foram concedidas à Suécia. Estas áreas, todas no Norte do Império, estão marcadas no mapa da Europa com a mesma cor que demarca o território Suécia. Já no mapa do Império, elas estão marcadas em cor cinza.
- A França recebeu a Alsácia (Elsass) bem como as dioceses de Metz, Toul e Verdun. Estas áreas, no Sudoeste do Império, estão marcadas em ambos os mapas com a mesma cor que demarca o território da França.
Já dentro do Império, as mudanças foram as que seguem:
- O Império continuou como uma federação de estados independentes (eram ao redor de 360 na época).
Estes estados ganharam o direito de conduzir política externa independente. As pessoas tinham como cidadania o estado no qual eram súditas e não o Império.
Comparado com impérios vizinhos, como a França, o poder do Imperador continuava limitado. - A Ducado da Baviera (Herzogtum Bayern) saiu da Guerra mais poderoso, tendo recebido assento no Conselho que elegia o Imperador e com isto transformando-se de Ducado em Eleitorado da Baviera (Kurfürstentum Bayern).
- A Casa de Hohenzollern (Haus Hohenzollern), que mais tarde viria a governar toda Prússia, igualmente ficou mais poderosa. O Eleitorado de Brandemburgo (Kurfürstentum Brandenburg) recebeu a Pomerânia Oriental ou Transpomerânia (Hinterpommern ou Ostpommern) bem como as dioceses de Magdeburgo e Halberstadt.
- Os Calvinistas, que haviam ficado de fora na Paz de Augsburgo (vide postagem sobre a Reforma) passaram a ser reconhecidos oficialmente. Com isso, o Império admitia três confissões: católica, luterana e calvinista. A Igreja que reunia os calvinistas era conhecida como Reformierte Kirche (Igreja Reformada).
Mapa em Inglês de 1648
Para completar, mostro mais um mapa do Sacro Império Romano. O mapa está em Inglês, mas deve ser de fácil tradução. O ponto positivo deste mapa é que ele é um pouco mais detalhado que o mapa da mesma região acima apresentado.
Tradução da legenda do mapa
Abreviaturas (tipo de estado):
Ab – Abbey (Abtei) abadia; Abp – Archbishopric (Erzbischof) arcebispado; Bp – Bishopric (Bischof) bispado; C – County (Grafschaft) condado; D – Duchy (Herzogtum) ducado; K – Kingdom (Königreich) reino; Lg – Landgraviate (Landgrafschaft) domínio de um landegrave; Lv – Landvogftei – domínio administrado pelo representante (Landvogt) de um senhor feudal; Mg – Margraviate (Markgrafschaft) marquêsado; Pal – Palatianate (Pfalzgrafschaft) domínio de um conde palatino; Pr – Principality (Fürstentum) principiadoSímbolos:
Pequeno retângulo representa uma fortaleza
Pequena cruz representa um monastério
Importância do século para a Genealogia
Migrações
O resultado da guerra foi uma intensa migração de pessoas.
Havia pessoas fugindo da perseguição religiosa, outras tentando escapar da fome e da miséria. Como era usual na época, as tropas eram seguidas por centenas de pessoas, as quais esperavam sustento e proteção das tropas.
Algumas regiões ficaram despopuladas, mas outras, mais seguras, acabaram ficando super-populadas. Muitas vezes, estas últimas não tinham meios para sustentar todos os imigrantes. Depois do final da guerra, os senhores feudais de regiões despopuladas procuraram atrair pessoas para recultivar suas terras, o que novamente gerou migrações.
Para o genealogista, o resultado é que pessoas estranhas, originárias de um outro lugar possivelmente distante, podem aparecer já adultas em uma determinada localidade. Isso não era usual em épocas anteriores, pois a mobilidade da população era limitada, visto que os súditos estavam ligados de várias formas ao seu senhor feudal. Eu mesmo tenho um caso de um ancestral que aparece em um casamento no período final da Guerra, em uma vila diferente e distante daquela de sua origem. Pelas minhas pesquisas, o lugarejo do qual ele provavelmente se origina foi completamente destruído durante a Guerra. É possível que ele tenha sido forçado a migrar por esta razão.
Destruição de registros
Para muitos genealogistas, o período da Guerra de Trinta Anos pode significar o final de sua pesquisas, já que em muitas regiões todos os registros, inclusive os registros religiosos, foram destruídos na pilhagem e nos saques causados pelas tropas combatentes.
Fontes
Veja a Bibliografia Geral.
Fontes específicas desta postagem
Guerra de Trinta Anos (Dreißigjähriger Krieg)
Paz de Vestfália (Westfälischer Friede)
Édito da Restituição (Restitutionsedikt)